segunda-feira, 30 de abril de 2012

* Jovens brasileiros – com média de 15 anos – conciliam bem ciência e religião, afirma pesquisa




Estado de São Paulo
A conclusão flui de um questionário sobre religião e ciência respondido por estudantes de escolas públicas e privadas de todas as regiões do País, com média de 15 anos de idade. A base de dados e a metodologia usadas na pesquisa foram as mesmas do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), segundo Bizzo, para garantir que os resultados fossem estatisticamente representativos da população estudantil brasileira. “É o primeiro dado com representatividade nacional sobre esse assunto para esta faixa etária”, diz o educador, que apresentou os dados pela primeira vez neste mês, em uma conferência na Itália.
“Ainda vamos fracionar e analisar mais profundamente as estatísticas, mas já dá para perceber que os alunos religiosos brasileiros são bem menos fundamentalistas do que se esperava”, avalia Bizzo, que também é formado em Biologia e tem livros e trabalhos publicados sobre a história da teoria evolutiva. “É surpreendente. Algo que sugere que no futuro teremos uma população com uma interpretação mais elástica das doutrinas religiosas e mais sensível à ciência.”
Aos 15 anos, diz Bizzo, os jovens estão passando por uma fase de definição moral, em que consolidam suas opiniões sobre temas fundamentais relacionados à ética e à moralidade. “É um período crucial. Dificilmente os conceitos de certo e errado mudam depois disso.”
O questionário apresentava aos alunos 23 perguntas ou afirmações com as quais eles podiam concordar ou discordar em diferentes níveis. Mais de 70% disseram que se consideram pessoas religiosas e acreditam nas doutrinas de sua religião (52% católicos e 29% evangélicos, principalmente, além de 7,5% sem religião). Ao mesmo tempo, mais de 70% disseram que a religião não os impede de aceitar a evolução biológica; e 58%, que sua fé não contradiz as teorias científicas atuais. Cerca de 64% concordaram que “as espécies atuais de animais e plantas se originaram de outras espécies do passado”.
Só quando a evolução se aplica ao homem e à origem da vida, as respostas ficam divididas. Há um empate técnico, em 43%, entre aqueles que concordam e discordam que a vida surgiu naturalmente na Terra por meio de “reações químicas que transformaram compostos inorgânicos em orgânicos”. E também entre os que concordam (44%) e discordam (45%) que “o ser humano se originou da mesma forma como as demais espécies biológicas”.
Sensibilidade
Os pesquisadores chamam atenção para o fato de que nenhuma das respostas que seriam consideradas fundamentalistas, do ponto de vista religioso, ultrapassam a casa dos 29%, porcentagem de entrevistados que se declararam evangélicos (denominação em que a rejeição à teoria evolutiva costuma ser mais forte). Apenas em dois casos elas ultrapassam 20%: entre os alunos que “discordam totalmente” que o ser humano se originou da mesma forma que as outras espécies (24%) e que os primeiros seres humanos viveram no ambiente africano (26%).
“A porcentagem dos que rejeitam completamente a origem biológica do homem é menor que a de evangélicos da amostra, o que é uma surpresa, já que os evangélicos no Brasil costumam ser os mais fundamentalistas na interpretação do relato bíblico”, avalia Bizzo. “A teoria evolutiva é talvez a coisa mais difícil de ser aceita do ponto de vista moral pelos religiosos. Mesmo assim, os dados mostram que a juventude brasileira é sensível aos produtos da ciência.”
Divulgada em 1859, com a publicação de A Origem das Espécies, a teoria evolutiva de Charles Darwin propõe que todos os seres vivos têm uma ancestralidade comum, e que as espécies evoluem e se diversificam por meio de processos de seleção natural puramente biológicos, sem a necessidade de intervenção divina ou de forças sobrenaturais – um conceito amplamente confirmado pela ciência desde então.
Apesar de ser frequentemente (e erroneamente) resumida como “a lei do mais forte”, a teoria evolutiva é muito mais complexa que isso. A Origem das Espécies tinha 500 páginas, e Darwin ainda considerava isso muito pouco para explicá-la. Desde então, com o surgimento da genética e o desenvolvimento de várias outras linhas de pesquisa evolutiva, a complexidade da teoria só aumentou, dificultando ainda mais sua compreensão – e, possivelmente, sua aceitação – pelo público leigo.
“O problema é que a maioria dos estudantes – ainda mais com 15 anos – não tem muita clareza sobre o que está envolvido na teoria darwiniana. Com isso há o potencial de surgirem respostas contraditórias”, avalia o físico e teólogo Eduardo Cruz, professor do Departamento de Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. “Isso não tem a ver com a qualidade da pesquisa, mas com a pouca compreensão de temas tanto científicos quanto teológicos. Além do que, quando se trata de perguntas que envolvem a intimidade das pessoas, as respostas nem sempre são confiáveis. É como perguntar a rapazes de 15 anos se ainda são virgens.”
Aceitação
Uma pesquisa nacional realizada pelo Datafolha em 2010, com 4.158 pessoas acima de 16 anos, indicou que 59% dos brasileiros acreditam que o homem é fruto de um processo evolutivo que levou milhões de anos, porém guiado por uma divindade inteligente. Só 8% acreditam que o homem evoluiu sem interferência divina. Os dados também mostram que a aceitação da teoria evolutiva cresce de acordo com a renda e a escolaridade das pessoas – o que pode ou não estar relacionado a uma melhor compreensão da teoria.
“Há uma discussão se a aceitação depende do entendimento, e uma análise mais precisa será realizada, mas uma análise superficial dos dados não encontrou essa correlação”, afirma Bizzo sobre sua pesquisa, financiada pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e pela Faculdade de Educação da USP. “Há indícios de que a compreensão básica seja acessível a todos e que a decisão de concordar que a espécie humana surgiu como todas as demais não depende de estudos aprofundados na escola.”

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