quinta-feira, 8 de novembro de 2012


Palavras «inúteis» e palavras «eficazes»

- No evangelho de Mateus, no contexto do discurso sobre as palavras que revelam o coração, existe uma palavra de Jesus que estremece os leitores do Evangelho de todos os tempos: «Mas eu vos digo que de toda palavra inútil que falem os homens darão contas no dia do Julgamento» (Mt 12, 36).
Sempre foi difícil explicar o que Jesus entendia por «palavra inútil». Certa luz nos chega de outra passagem do evangelho de Mateus (7, 15-20), onde volta o mesmo tema da árvore que se reconhece pelos frutos e onde todo o discurso aparece dirigido aos falsos profetas: «Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós com disfarces de ovelhas, mas por dentro são lobos. Por seus frutos os conhecereis...».
Se o ditado de Jesus tem relação com o dos falsos profetas, então podemos talvez descobrir o que significa a palavra «inútil». O termo original, traduzido com «inútil», é argon, que quer dizer «sem efeito» (a – privativo –; ergos – obra –). Algumas traduções modernas, entre elas a italiana da CEI (Conferência Episcopal Italiana, N. do T.], vinculam o termo a «infundada», portanto, a um valor passivo: palavra que carece de fundamento, ou seja, calúnia. É uma tentativa de dar um sentido mais tranqüilizador à ameaça de Jesus. Não há nada, de fato, particularmente inquietante se Jesus diz que de toda calúnia se deve dar contas a Deus!
Mas o significado de argon é mais ativo; quer dizer: palavra que não fundamenta nada, que não produz nada: portanto, vazia, estéril, sem eficácia [1]. Neste sentido, era mais adequada a antiga tradução da Vulgata, verbum otiosum, palavra «ociosa», inútil, que no demais é a que se adota também hoje na maioria das traduções.
Não é difícil intuir o que quer dizer Jesus se compararmos este adjetivo com o que, na Bíblia, caracteriza constantemente a palavra de Deus: o adjetivo energes, eficaz, que atua, que se segue sempre de efeito – ergos (o mesmo adjetivo do qual deriva a palavra «enérgico»). São Paulo, por exemplo, escreve aos Tessalonicenses que, tendo recebido a palavra divina da pregação do Apóstolo, eles a acolheram não como palavra de homens, mas como o que é verdadeiramente, como «palavra de Deus que permanece operante (energeitai) nos crentes» (cf 1 Ts 2, 13). A oposição entre palavra de Deus e palavra do homem se apresenta aqui, implicitamente, como a oposição entre a palavra «que atua» e a palavra «que não atua», entre a palavra eficaz e a palavra vã e ineficaz.
Também na carta aos Hebreus encontramos este conceito da eficácia da palavra divina: «a Palavra de Deus é viva e eficaz» (Hb 4, 12). Mas é um conceito que vem de longe; em Isaías, Deus declara que a palavra que sai de sua boca não volta a Ele jamais «vazia», sem ter realizado aquilo para o que foi enviado (v. Is 55, 11).
A palavra inútil, da qual os homens terão de dar contas no dia do Juízo, não é portanto toda e qualquer palavra inútil; é a palavra inútil, vazia, pronunciada por aquele que deveria ao contrário pronunciar a «enérgica» palavra de Deus. É, em resumo, a palavra do falso profeta, que não recebe a palavra de Deus e, contudo, induz os demais a crerem que seja palavra de Deus. Ocorre exatamente ao inverso do que dizia São Paulo: tendo recebido uma palavra humana, ele a toma não pelo que é, mas pelo que não é, ou seja, por palavra divina. De toda palavra inútil sobre Deus o homem terá que dar contas: eis aqui, portanto, o sentido da grave advertência de Jesus.
A palavra inútil é a falsificação da palavra de Deus, é o parasita da palavra de Deus. É reconhecida pelos frutos que não produz, porque, por definição, é estéril, sem eficácia (no bem). Deus «vela por sua palavra» (cf. Jr 1, 12), tem ciúmes dela e não pode permitir que o homem se aproprie do poder divino nela contido.
O profeta Jeremias nos permite perceber a advertência que se oculta sob essa palavra de Jesus. Vê-se já claramente que se trata dos falsos profetas: «Assim diz Javé: Não escuteis as palavras dos profetas que vos profetizam. Estão vos enganando. Eles vos contam suas próprias fantasias, não coisas da boca de Javé... Profeta que tenha um sonho, conte um sonho, e o que tenha consigo minha palavra, que fale minha palavra fielmente. O que tem que ver a palha com o grão? – oráculo de Javé. Não é assim minha palavra, como o fogo, e como um martelo que arrebenta a rocha? Pois bem, aqui estou eu contra os profetas – oráculo de Javé – que roubam minhas palavras um do outro» (Jr 23, 16.28-31).



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