Qual é a relação que
existe entre a Verdade e a prática da caridade?
Gostaria de chamar a atenção sobre um aspecto muito importante do
conhecimento e da utilização da Doutrina Social da Igreja e sobre o
envolvimento social e político dos católicos. Refiro-me à falta de consciência
da dimensão social dos princípios da doutrina cristã. Eu acho que muitos
católicos seriamente engajados na sua comunidade sejam certamente capazes de
dizer por que a Doutrina Social da Igreja considere mais importante a pessoa do
funcionário do que o produto do trabalho, mas talvez não sejam tão capazes de
dizer por que o dogma da Trindade seja de fundamental importância também para a
construção da cidade terrena, bem como da celestial.
O nosso observatório já falou sobre estas questões, que consideramos
fundamentais. Por exemplo, no passado nós escrevemos sobre a importância dos
documentos da Congregação para a Doutrina da Fé, a fim de um uso correto da
Doutrina Social da Igreja. Eu mesmo falei com uma nota publicada seja no nosso
site que está no "Boletim da Doutrina Social da Igreja", sobre
"A doutrina social da Igreja no contexto da Doutrina Cristã". Dentro
dos Relatórios Anuais sobre a Doutrina Social da Igreja no Mundo, publicados
pelo nosso Observatório, a análise do Magistério de Bento XVI centra-se sempre
sobre estas questões doutrinárias, considerando-as fundamentais para definir
corretamente a questão social. Seria uma grave amputação da Doutrina Social da
Igreja esquecer esses fundamentos dogmáticos e projetar-se diretamente nas
assim chamadas "coisas para fazer". No entanto, talvez, justamente é
isso que ocorre, mesmo em escolas e sessões de formação na Doutrina Social da
Igreja.
Esta atenção para os aspectos dogmáticos e doutrinários e as suas
consequências sociais, é também muito importante no discernimento com relação
às outras religiões. Se estes são colocados de lado e negligenciados, então
acaba que também o católico acredita que todas as religiões sejam igualmente
capazes de levar a humanização, a justiça, a paz, o respeito pela pessoa e de
estabelecer uma vida social saudável. Se acreditar em um Deus que é três
pessoas é o mesmo que acreditar em um Deus que não o é, então não faz diferença
para a construção da sociedade ser um cristão ou ser de outra religião
monoteísta.
Como exemplo, gostaria de trazer aqui o caso do dogma da Trindade, ou
seja, no fato de que a Igreja Católica crê num Deus que é apenas uma substância
em três pessoas e do monoteísmo, ou seja, na crença em um só Deus.
Se seguirmos o pensamento de Joseph Ratzinger, observamos que a
Trindade nos diz que originária não é só a unidade, mas também a
multiplicidade; que uma pessoa como unidade única não existe porque está sempre
dirigida a; que existe, além da substância, o plano da relação, que deve ser
considerado um verdadeiro e próprio plano do ser. Da mesma forma como a pessoa
é feita à imagem de Deus, também a pessoa vive junto desta unidade e
multiplicidade, originariamente e contemporaneamente. Este aspecto dogmático e
doutrinal da fé cristã nos diz portanto que não acontece que nós primeiro
sejamos aquilo que sejamos e depois nos relacionamos com os outros
comunitariamente. A realidade é que o nosso ser individual é por si mesmo
aberto à comunhão, é já uma relação dentro de si mesmo e com os outros.
Agora, pensemos na sociedade e nos perguntemos: a sociabilidade relacional
entre as pessoas se reforça mais por meio de uma semelhante religião ou por
meio de uma religião na qual Deus é só unidade e não multiplicidade? Eu diria
que a resposta é bastante evidente. Uma sociedade tem maiores possibilidades de
que seja coesa e unida partindo daquela concepção religiosa, mais do que da
outra. Um Deus que seja também Trinitário não é menos Uno, mas sim é mais Uno,
porque aqui se trata da unidade do Espírito, que é absolutamente mais profunda
justamente porque tal. Dois esposos, ainda que distantes fisicamente entre
eles, estão infinitamente mais unidos do que duas pedras juntas uma da outra.
Na comunhão espiritual é possível unir-se ao outro sem renunciar de ser si
mesmo, e mais, tornando-se maiormente si mesmo na medida que se une ao outro.
Estas simples observações tomadas da nossa experiência quotidiana nos fazem
compreender que um Deus em Três pessoas é mais Uno e fornece à sociedade um
exemplo de íntima e profunda unidade relacional que a sociedade, nos seus
níveis infinitamente inferiores, experimenta no matrimônio, na família, na
comunhão de um grupo, de uma nação e na inteira comunidade universal vista como
uma só família. O monoteísmo, em quanto tal, trouxe grandes benefícios à
sociedade, mas nem todos os monoteístas são iguais. O monoteísmo trinitário é
capaz de trazer benefícios ainda maiores.
Aqui não é o lugar para examinar outros dogmas da religião católica,
basta um exemplo. A encarnação, a epifania, a morte na Cruz, a Ressurreição,
Pentecostes, a Vida Eterna, o Juízo Final... são aspectos dogmáticos e
doutrinais que são de fundamental importância para a organização deste mundo e
para a doutrina social da Igreja . Abrir um lugar para Deus no mundo, diz Bento
XVI, requer evitar negligenciar este elo fundamental entre os aspectos
dogmáticos e a construção da cidade terrena. Em outras palavras, não deve ser
esquecido, mas estudado e aprofundado o primeiro capítulo do Compêndio da
Doutrina Social da Igreja.
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